21 outubro 2012

No Divã



“No início, era Eu somente um jovem, em verdade vos digo, e acabava de finalizar o meu pós-doutorado em Engenharia. Modéstia à parte, eu era um prodígio, mas ainda pairava sobre as águas em busca de um emprego.”
-Quer saber? – disse Eu – Serei um profissional autônomo!
“E comecei a trabalhar arduamente. Como um jovem chio de sonhos e pretensões, Eu pretendia criar o ‘ser ideal’ – logo após ser aclamado por criar todo um Universo para abrigá-lo. Empenhei-Me incansavelmente naquele projeto, sem descansar, sem pregar o olho um minuto sequer. E fiquei tão obcecado por aquilo que mais de 6 bilhões de anos necessários para que eu terminasse passaram como se fossem apenas 6 dias. No ‘Sétimo Dia’, Eu dormi – e ah!, que beleza de sono.”
“Mas, enfim, voltemos à Gênese do mundo. Experimentei de tudo que se possa imaginar, em verdade vos digo. Criei bactérias, porém eram muito simplistas; os protozoários foram apenas protótipos, que deixei como estavam por funcionarem muito bem; os fungos saíram-Me feios e estranhos demais ( e guardei os vírus para uma outra ocasião. Eram demasiado perigosos e perversos).”
“Então as plantas. Elas abriram-Me os olhos – como gosto delas! Não Me dão trabalho, não questionam Meus cuidados, produzem seu próprio alimento... Só têm um pequeno problema que é a complexidade de reprodução: são ainda mais complicadas que as mulheres humanas! Mas como Me são queridas!”
“Entretanto, disse eu ‘Não... Devo criar um ser mais completo... Que submeta todos esses! ’ Para que, afinal...?! Bem, enfim. Comecei a criação dos animais.”
“Os invertebrados, bem eram testes. Não era possível que um PORÍFERO dominasse o planeta. Fui para os cordados.”
“Vieram os peixes, não era o que eu queria, mesmo com um predador e tanto como o tubarão branco.”
“Vieram os anfíbios, pensei que a associação entre água e terra daria certo. Não funcionou, ainda dependiam muito da água – onde não eram tão bons quanto os peixes.”
“Foi então que criei os répteis – o que uma casca de ovo rígida não faz! Meus exemplares favoritos no reino Animalia. Como fiz com todos os outros, criei condições ideais no Meu campo de experimentação 00429-IB (que Meus filhos chamam de Terra) para que os répteis se desenvolvessem. E como se desenvolveram! Dominaram terra, céu e água por mais de 160 milhões de anos! Até que criei seres mais evoluídos, os mamíferos e aves, mas perto dos répteis, eram discretíssimos.”
“Mas Eu cometi um grande erro. Durante esses milhões de anos, os répteis em nada se desenvolveram, e Eu percebi ser em função de seu cérebro, minúsculo e sem consciência. Foi com um peso no coração que dizimei os dinossauros com aquele meteoro fatídico.”
“Quanto às aves, cometi o mesmo erro de um cérebro liso. Não havia mente, e por consequência, não havia domínio, vontade.”
“Até que resolvi investir nos mamíferos. Criei várias e várias exímias espécies, apliquei todos os meus conhecimentos adquiridos... Até que surgiu o homem...”
“Mas que modelo... Que destreza de movimentos... Que polegar opositor fantástico... E minha obra-prima havia funcionado: o cérebro, a mente humana!”
“O homem deu-Me muitas alegrias – escreveu um livro para mim, me respeitava e agradecia à vida, me adorava...!”
“... Mas também, tristezas... Guerras de dominação inútil... Espécimes discriminando, escravizando outros por simples diferenças de cor de pele – um acaso da localização geográfica... Isso sem falar das desigualdades da tendência para o mal, das atitudes sem escrúpulos...”.
“E agora, domina o homem terras, céus e mares, questionando-Me e ignorando-Me por seu excesso de poder. Veio Darwin questionar o meu esforço, veio Nietzsche me assassinar. E o ser humano, que apesar de não ser perfeito (Meus anjos o são) é como um filho para mim, destrói o que eu criei em 6 bilhões de anos para servi-lo, em um sexto de décimo de milésimo desse tempo! Eu, que tudo sei, não sei mais o que fazer com esse meu pródigo, mas querido filho.”
“Entretanto, será que o erro é sempre do Pai?”
“Será que dei-lhe tanta liberdade para fazer o que quisesse que o maior presente que foi concedido ao próprio homem – sua mente, foi transformada naquilo que hoje é sua discórdia?”

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