Pé ante pé.
Vacilante, porém, persistentemente. A pesada vestimenta o impedia de mover-se
mais rápido e, somado à força com que o vento fustigava-o, o peso de suas
roupas aumentava.
Sinceramente,
não se importava por estar andando tão vagarosamente. Com toda a certeza que
era um longo caminho, de volta para sua casa; mas após outro dia tão cansativo
e frustrante como esse havia sido, precisava muito andar. Aliviar sua mente tão
carregada – sobrecarregada – de emoções indistintas.
Observava, portanto,
a bela paisagem de outono que começava a se formar naquelas paragens...
Ele adorava ver
as douradas copas das árvores que cercavam cada alameda pela qual passava e,
ainda mais, maravilhava-se com a tempestade que a queda das folhas e as
próprias folhas que por terra estavam, somadas à intensa ventania,
proporcionavam aos seus sentidos e emoções.
Tons de laranja,
marrom, vermelho, amarelo e dourado mostravam-se caoticamente diante de seus
olhos, numa espiral que levava do chão ao céu, do céu a... (onde?!)
Envolviam-no
numa torrente de cores, imagens e memórias incoerentes, e representavam para
ele o único momento de felicidade palpável. Uma felicidade que, mesmo simples,
singela, era tanto poética, acessível e, diferente de suas outras concepções de
felicidade, era real.
Flutuou por
alguns instantes, numa sensação mista de euforia e serenidade extremas; flutuou
misturando a cor de sua alma à cor das folhas outonais, e desejando que o vento
o levasse para longe, longe... Desejando que o vento o libertasse.
No entanto,
aquele momento incrível, infinito em emoções e beleza, não passou disso, de um
momento. A ventania diminuiu, como que para obrigar as folhas a cumprirem seu
destino, a aceitarem-se mortas. E elas realmente desistiram, e fizeram da terra
seu leito final.
Tudo isso também
fez com que o jovem cessasse de pairar sobre o chão, retornando imediatamente
após o fim desse fenômeno. Mas não interrompeu o confuso fluxo de pensamentos
desgarrados.
Continuou
andando, meditando, meditandando... Não mais enxergava as pessoas, não mais
distinguia seus rostos. Passava por elas conhecendo a todas, e ao mesmo tempo,
nenhuma.
Não mais se
recordou de rostos outrora conhecidos; rodeado de gentes por todos os lados,
estava sozinho.
Era com se cada
um representasse uma miragem, uma imagem empírica de felicidade inacessível;
inalcançável e nebulosa; e como se ele próprio estivesse preso numa cúpula de
diamante, e não pudesse ver, ouvir ou tocar nada nem ninguém.
Finalmente
estava sozinho, finalmente alcançara a solidão. Mas agora, procurava uma forma
de se ver livre dela.
Encaminhava-se para
a ponte, ia ver o rio. Quem sabe o rio não traria em suas águas uma reposta?
Quem sabe não carregaria suas tristezas, que fluiriam no rio até se dissiparem,
para sempre...?
Sentou-se à
beirada da ponte que atravessava o rio, e só pôde imaginar, ao observar aquelas
águas límpidas e argênteas, seu corpo caindo, transformando-se em douradas
folhas de outono. Talvez pensasse nisso como um sonho porque era tudo o que
mais queria naquele momento, e a única coisa, pensava ele, que iria libertá-lo.
Pular, não
temendo o abismo no qual cairia vertiginosamente; não temendo a queda, não
temendo a dor, não temendo a Morte. A força do vento desfalecendo seu corpo e
fazendo com que virasse todo folhas, pairando eternamente; suas lágrimas, essas
perdurariam...Permanecendo lágrimas, unir-se-iam às águas e correriam,
correriam, caindo no mundo como lágrimas novamente quando Deus chorasse em
chuva sobre o mundo...
Deixaria de
sentir-se solitário unindo-se completamente ao organismo natural, à Terra...
Mas voltou seus
olhos a outro lugar, e vislumbrou um brilho, mesmo com sua mente enevoada por
completo. E, aos poucos, via mais claramente que era o brilho de um olhar, o
brilho improvável de olhos de um castanho profundo (como o das vívidas folhas
mortas de outono...), que o atraiu de tal forma que o jovem soube que aquele
brilho poderia libertá-lo.
Um rosto! Seu
coração novamente pulsava – e feroz, pulava em seu peito, pareceu-lhe que a
qualquer momento iria simplesmente fugir-lhe de dentro do corpo... A única
coisa que pôde fazer foi dar um sorriso, embora completamente carregado de
melancolia...
Surpreendeu-se
quando ela retribuiu seu sorriso; e foi sentar-se
a seu lado.
Conversaram, e
cada um com sua voz repleta, impregnada do que continham seus corações: pura
emoção. Vidas curtas, almas envelhecidas pela tristeza; corpos jovens, e almas,
e mentes seculares.
Aos poucos,
sentiam-se rejuvenescidos, completos um pela presença do outro. Trocaram suas
palavras, sentimentos e segredos por horas, e o crepúsculo se aproximava. O sol
já se aproximava do horizonte, pintando no céu uma aquarela em tons rubros,
áureos, púrpura...!
E ele perguntou:
- Por que estava
tão triste?
- Porque estava sozinha.
- Estava?
-Sim, estava. Agora tenho você...
Ela deu uma
pausa, tomada pela comoção. Então, continuou:
- Promete nunca
me abandonar, como todos os outros fizeram?
Resoluto, e
apaixonado, afirmou:
- Eu prometo...
- E você...
Promete que vai ficar do meu lado...? – ele disse ainda
- Prometo –
respondeu ela, sincera e igualmente apaixonada
Puderam, então,
perceber...
Ele realmente
era diferente dos outros... E ela realmente valia a pena...
Valeria a pena,
desta vez, pra cada um deles, mudar, se entregar e se dedicar ao outro... Ver
nele o príncipe... Ver nela a princesa... Fazer planos, loucuras e
desejos... E essa sensação era tão intensa, viva, real, que nada, nem ninguém, nem os infortúnios, e nem as brigas,
haveriam de fazê-los descumprir a promessa; não os fariam deixar de amar um ao
outro.
E ao
entrelaçarem suas mãos, num acaso perfeito, pela primeira vez em suas vidas
puderam sentir o calor que inundava seus corpos, e todos os seus sentimentos, e
idéias, e sonhos...
Pela primeira
vez em suas vidas, ao olhar para o rio no último instante abençoado pela luz do
sol, puderam ver seus reflexos que se completavam; suas tristezas, que se
consolavam; suas lágrimas, que se secavam; seus corações, que se uniam.
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