09 setembro 2011

As folhas de outono


Pé ante pé. Vacilante, porém, persistentemente. A pesada vestimenta o impedia de mover-se mais rápido e, somado à força com que o vento fustigava-o, o peso de suas roupas aumentava.
Sinceramente, não se importava por estar andando tão vagarosamente. Com toda a certeza que era um longo caminho, de volta para sua casa; mas após outro dia tão cansativo e frustrante como esse havia sido, precisava muito andar. Aliviar sua mente tão carregada – sobrecarregada – de emoções indistintas.
Observava, portanto, a bela paisagem de outono que começava a se formar naquelas paragens...
Ele adorava ver as douradas copas das árvores que cercavam cada alameda pela qual passava e, ainda mais, maravilhava-se com a tempestade que a queda das folhas e as próprias folhas que por terra estavam, somadas à intensa ventania, proporcionavam aos seus sentidos e emoções.
Tons de laranja, marrom, vermelho, amarelo e dourado mostravam-se caoticamente diante de seus olhos, numa espiral que levava do chão ao céu, do céu a... (onde?!)
Envolviam-no numa torrente de cores, imagens e memórias incoerentes, e representavam para ele o único momento de felicidade palpável. Uma felicidade que, mesmo simples, singela, era tanto poética, acessível e, diferente de suas outras concepções de felicidade, era real.
Flutuou por alguns instantes, numa sensação mista de euforia e serenidade extremas; flutuou misturando a cor de sua alma à cor das folhas outonais, e desejando que o vento o levasse para longe, longe... Desejando que o vento o libertasse.
No entanto, aquele momento incrível, infinito em emoções e beleza, não passou disso, de um momento. A ventania diminuiu, como que para obrigar as folhas a cumprirem seu destino, a aceitarem-se mortas. E elas realmente desistiram, e fizeram da terra seu leito final.
Tudo isso também fez com que o jovem cessasse de pairar sobre o chão, retornando imediatamente após o fim desse fenômeno. Mas não interrompeu o confuso fluxo de pensamentos desgarrados.
Continuou andando, meditando, meditandando... Não mais enxergava as pessoas, não mais distinguia seus rostos. Passava por elas conhecendo a todas, e ao mesmo tempo, nenhuma.
Não mais se recordou de rostos outrora conhecidos; rodeado de gentes por todos os lados, estava sozinho.
Era com se cada um representasse uma miragem, uma imagem empírica de felicidade inacessível; inalcançável e nebulosa; e como se ele próprio estivesse preso numa cúpula de diamante, e não pudesse ver, ouvir ou tocar nada nem ninguém.
Finalmente estava sozinho, finalmente alcançara a solidão. Mas agora, procurava uma forma de se ver livre dela.
Encaminhava-se para a ponte, ia ver o rio. Quem sabe o rio não traria em suas águas uma reposta? Quem sabe não carregaria suas tristezas, que fluiriam no rio até se dissiparem, para sempre...?
Sentou-se à beirada da ponte que atravessava o rio, e só pôde imaginar, ao observar aquelas águas límpidas e argênteas, seu corpo caindo, transformando-se em douradas folhas de outono. Talvez pensasse nisso como um sonho porque era tudo o que mais queria naquele momento, e a única coisa, pensava ele, que iria libertá-lo.
Pular, não temendo o abismo no qual cairia vertiginosamente; não temendo a queda, não temendo a dor, não temendo a Morte. A força do vento desfalecendo seu corpo e fazendo com que virasse todo folhas, pairando eternamente; suas lágrimas, essas perdurariam...Permanecendo lágrimas, unir-se-iam às águas e correriam, correriam, caindo no mundo como lágrimas novamente quando Deus chorasse em chuva sobre o mundo...
Deixaria de sentir-se solitário unindo-se completamente ao organismo natural, à Terra...
Mas voltou seus olhos a outro lugar, e vislumbrou um brilho, mesmo com sua mente enevoada por completo. E, aos poucos, via mais claramente que era o brilho de um olhar, o brilho improvável de olhos de um castanho profundo (como o das vívidas folhas mortas de outono...), que o atraiu de tal forma que o jovem soube que aquele brilho poderia libertá-lo.
Um rosto! Seu coração novamente pulsava – e feroz, pulava em seu peito, pareceu-lhe que a qualquer momento iria simplesmente fugir-lhe de dentro do corpo... A única coisa que pôde fazer foi dar um sorriso, embora completamente carregado de melancolia...
Surpreendeu-se quando  ela retribuiu seu sorriso; e foi sentar-se a seu lado.
Conversaram, e cada um com sua voz repleta, impregnada do que continham seus corações: pura emoção. Vidas curtas, almas envelhecidas pela tristeza; corpos jovens, e almas, e mentes seculares.
Aos poucos, sentiam-se rejuvenescidos, completos um pela presença do outro. Trocaram suas palavras, sentimentos e segredos por horas, e o crepúsculo se aproximava. O sol já se aproximava do horizonte, pintando no céu uma aquarela em tons rubros, áureos, púrpura...!
E ele perguntou:
- Por que estava tão triste?
- Porque estava sozinha.
- Estava?
-Sim, estava. Agora tenho você...
Ela deu uma pausa, tomada pela comoção. Então, continuou:
- Promete nunca me abandonar, como todos os outros fizeram?
Resoluto, e apaixonado, afirmou:
- Eu prometo...
- E você... Promete que vai ficar do meu lado...? – ele disse ainda
- Prometo – respondeu ela, sincera e igualmente apaixonada
Puderam, então, perceber...
Ele realmente era diferente dos outros... E ela realmente valia a pena...
Valeria a pena, desta vez, pra cada um deles, mudar, se entregar e se dedicar ao outro... Ver nele o príncipe... Ver nela a princesa... Fazer planos, loucuras e desejos... E essa sensação era tão intensa, viva, real, que nada, nem ninguém, nem os infortúnios, e nem as brigas, haveriam de fazê-los descumprir a promessa; não os fariam deixar de amar um ao outro.
E ao entrelaçarem suas mãos, num acaso perfeito, pela primeira vez em suas vidas puderam sentir o calor que inundava seus corpos, e todos os seus sentimentos, e idéias, e sonhos...
Pela primeira vez em suas vidas, ao olhar para o rio no último instante abençoado pela luz do sol, puderam ver seus reflexos que se completavam; suas tristezas, que se consolavam; suas lágrimas, que se secavam; seus corações, que se uniam.

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